segunda-feira, 4 de junho de 2012

Convite


Defesa de dissertação de mestrado de Rafael França Gonçalves dos Santos, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política - UENF.

“As aparências enganam? O fazer-se travesti em Campos dos Goytacazes (2010-2011)”


Data: 27 de junho de 2012

Horário: 14 horas

Local: Mini-Auditório A – CCH UENF

Banca examinadora: Profª. Drª.  Marinete dos Santos Silva (Orientadora)

                               Prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos – UFF

                               Profª. Drª. Luciane Soares da Silva – UENF

                               Prof. Dr. Vitor Moraes Peixoto – UENF

Convite


Defesa de dissertação de mestrado de Cristiane de Cássia Nogueira Batista de Abreu, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política - UENF.

“A infância vitimizada: retrato da violência doméstica contra a criança em São João da Barra”

Data: 26 de junho de 2012

Horário: 14 horas

Local: Mini-Auditório A – CCH UENF

Banca examinadora: Profª. Drª.  Marinete dos Santos Silva (Orientadora) – UENF
                               Profª Drª Regina Célia de Souza Campos Fernandes – FMC
                               Profª. Drª. Luciane Soares da Silva – UENF
                               Profª Drª Denise Cunha Tavares Terra – UENF

O aborto no Brasil: um caso de saúde pública



Marinete dos Santos Silva
LESCE/CCH/UENF
Atelier de Estudos de Gênero - ATEGEN

            O pensamento conservador no Brasil tem, no meu entender, uma vertente apocalíptica. Quando algo o contraria, faz previsões catastróficas. Lembro-me do ano de 1974 quando o projeto de lei que instituiu o divórcio estava sendo debatido. Os que não queriam o divórcio argumentavam que caso a lei passasse no Congresso Nacional, a família brasileira estaria ameaçada. Seria o apocalipse: lares desfeitos, crianças com os pais separados etc. O divórcio virou lei porque o Estado precisava  regularizar a situação de milhares de filhos de pais desquitados ou separados que eram tidos como bastardos. A lei do divórcio veio, para regularizar essa situação e dar às pessoas infelizes no casamento, a possibilidade de recomeçar uma nova vida. Os católicos nunca admitiram o divórcio sob a alegação de que o que “Deus uniu o homem não separa”. Dessa forma, pressupõe-se que os católicos não se divorciem e continuem a levar em frente uma união infeliz e mortificante. O Estado brasileiro, que é laico desde a 1ª Constituição Republicana datada de 1891, não se pautou pelos preceitos católicos e sancionou o divórcio deixando aos não-católicos a possibilidade de utilizá-lo em caso de necessidade.
            Durante os debates sobre o divórcio, os que a ele eram contrários acamparam na porta do Congresso Nacional em vigília, fazendo previsões terríveis a respeito do que viria caso ele fosse aprovado. Essas previsões não se concretizaram, a família não acabou, os casamentos continuaram a acontecer e os divórcios também.
            Nos anos 90 do século passado foi instaurado um grande debate sobre o salário mínimo que valia menos de 100 dólares. Um senador do PT do Rio Grande do Sul, Paulo Paim quase que diariamente subia a tribuna para falar daquilo que ele considerava uma vergonha nacional: o salário mínimo abaixo de 100 dólares. De certa feita, no auge da empolgação, rasgou um exemplar da Constituição Brasileira sob a alegação de que os seus preceitos de nada valiam, pois o salário mínimo que era pago ao trabalhador brasileiro a desrespeitava.
            Os contrários ao aumento do mínimo argumentavam que caso ele chegasse a 100 dólares as empresas quebrariam e o país não resistiria. O tempo passou, o governo de Fernando Henrique Cardoso acabou e o que vimos no governo subseqüente do Presidente Lula foi o aumento do salário mínimo que hoje gira em torno de 300 dólares. As previsões catastróficas dos que eram contra não se cumpriram. Pelo contrário, a economia do país vai bem e vemos um aumento do poder de compra das pessoas em geral. Observamos, também, a emergência da famosa classe C, formada segundo o que dizem as fontes oficiais – IBGE, FGV – por milhares de pessoas que hoje têm acesso a bens de consumo como viagens de avião, antes só acessíveis aos mais ricos.
            Na primeira década do século XXI o debate girou em torno dos homossexuais, que foram às ruas em passeatas que reuniam milhares de pessoas, reivindicando a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a criminalização da homofobia.
            Novamente os conservadores fizeram previsões catastróficas: será o fim da família, não podemos aceitar tal coisa. O Estado, mais uma vez, pautou sua ação não pela ética religiosa, cristã, mas pela sua própria lógica. Se os homossexuais – mulheres e homens – já vivem juntos independentemente de ser legal ou não a sua união, que a mesma se legalize e que os cidadãos e cidadãs que trabalham e pagam seus impostos possam regularizar a sua questão patrimonial e sucessória, assim como os benefícios dos planos de saúde e pensões. O Supremo Tribunal Federal bateu o martelo e hoje a união civil entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade legal. E a família como vai? Essa vai muito bem, pois os gays já estão até adotando crianças e tocando suas vidas. O mundo, ao que tudo indica, não acabou.
            Nos dias que correm, parece que a questão eleita pelo pensamento conservador é o aborto. O Código Penal Brasileiro, que data de 1947, prevê a possibilidade de aborto em dois casos: risco de vida para a mãe e gravidez proveniente de estupro. Embora previstos em lei, as mulheres brasileiras não podiam se beneficiar dessas possibilidades, pois as mesmas não haviam sido regulamentadas. Somente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante a gestão de José Serra à frente do Ministério da Saúde, é que houve essa regulamentação. A possibilidade de aborto em caso de feto anencéfalo, só recentemente entrou na pauta das discussões, em face da decisão do STF permitindo-o. Parece, entretanto, que o pensamento conservador não gostou da decisão do Supremo, e volta à carga prenunciando um novo fim do mundo.
            O aborto até 12 semanas de gestação é um direito das mulheres em todos os países desenvolvidos da Europa: França, Alemanha, Noruega, Itália, Suécia, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Inglaterra, Suíça e até Portugal, considerado um país extremamente conservador. No continente americano, ele é permitido nos Estados Unidos e no Canadá. Foi um direito conquistado pelo movimento feminista, que se articulou com  vários outros setores da sociedade nos anos 60 – os chamados Anos Rebeldes – e que foi para as ruas exigindo os direitos expressos nos slogans: “trabalho igual, salário igual” e “meu corpo me pertence”. Nesse último slogan estava impresso o desejo das mulheres de controlar o próprio corpo, onde se dá a gestação.
Vale lembrar que a 4º Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada pela ONU em Pequim em 1995, e que contou com a participação do Brasil, exarou um documento final do qual o nosso país é signatário. Por ele, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres são considerados direitos humanos e devem ser respeitados por todos os países que o assinaram. Não é, pois de se estranhar, que na sequência tenha sido regulamentado no Brasil o aborto em caso de estupro e de risco para a vida materna e que o STF tenha legalizado o aborto em caso de anencefalia. Essas medidas não foram, pois, urdidas por “grupelhos de esquerda”, foram o resultado de compromissos legais assumidos pelo Brasil internacionalmente.   
A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, atualmente chefiada pela socióloga Eleonora Menucucci já fala da legalização do aborto até 12 semanas de gestação como uma medida de saúde pública e antes dela, o Ministro da Saúde do governo Lula, José Gomes Temporão, já havia batido na mesma tecla. No Brasil são feitos por ano milhares de abortos ilegais com consequências funestas para as mulheres. São utilizados talos do mamoeiro, agulhas de tricô, chás de ervas que causam intoxicações graves, sondas e Citotec. As mulheres pobres são as mais vitimizadas, pois só tem acesso ao aborto inseguro e realizado em péssimas condições de higiene. Invariavelmente, acabam em um hospital do SUS para a realização de curetagem e combate às infecções que sobrevém. Ocupam leitos, gastam recursos públicos e dão prejuízo ao Estado. Muitas ficam internadas por vários dias. As mulheres ricas e de classe média se dirigem às clínicas de aborto que existem por todo lado na capital do nosso Estado e pela quantia de mil e quinhentos reais, fazem um procedimento razoavelmente seguro com anestesia e que dura cerca de 10 minutos. Saem da clínica caminhando, sem problemas e podem retomar a vida normal no dia seguinte. O fato de o aborto ser proibido não impede que as clínicas estejam abertas ou que o Citotec seja vendido nas farmácias. As mulheres, historicamente, sempre procuraram alternativas para uma gravidez indesejada e continuaram a fazê-lo independentemente de ser considerado crime ou pecado.
O Estado brasileiro, que é laico, mais uma vez busca pautar sua ação não pela ética cristã, muçulmana ou budista, mas pela racionalidade econômica. O aborto é uma realidade. O estado despende grande soma de recursos para tratar das sequelas dele provenientes. É, portanto, mais barato financiar um aborto seguro, em boas condições higiênicas e que não necessita de internação. As leis e decisões judiciais vêm sempre ao encontro daquilo que a sociedade já pratica. Elas não surgem, em geral, em função de pequenos grupos, sejam de esquerda ou de direita.
Geralmente, o pensamento conservador contrário ao aborto fala em preservar a vida, mas esquece que o conceito de vida é uma decisão sociocultural e que tem uma historicidade. Na Idade Média, por exemplo, a Igreja Católica permitia o aborto até o feto movimentar-se no ventre materno, o que se dá por volta do quarto  mês de gestação. Considerava-se que só então se tratava de um ser humano. Quando afinal começa a vida? Poderíamos determinar o seu começo no sêmen do homem. Nesse caso dever-se-ía proibir a masturbação masculina? Ou então no óvulo da mulher. A menstruação das mulheres deveria então ser proibida?
A Igreja Católica é contrária às experiências científicas com células embrionárias e tentou impedi-las acampando na porta do STF. Novamente esse tribunal considerou legal essas experiências, não entendendo como vida o embrião que seria descartado pelas clínicas de fertilização humana.
Nesse debate acerca da implantação do aborto no Brasil – com um atraso de 40 anos em relação aos países desenvolvidos, é bom que se diga – o falso moralismo desempenha um papel importante. Na última eleição presidencial vimos a esposa do candidato José Serra acusar a atual presidenta Dilma Roussef de “abortista” e de “assassina de criancinhas” pelo fato da mesma ser favorável à legalização do aborto. Em meio ao debate, a máscara da senhora tão favorável à vida, caiu quando uma de suas alunas revelou que ela havia feito um aborto no Chile, quando José Serra era refugiado político. Muitos homens e mulheres que já pagaram abortos ou já o fizeram procuram, talvez, purgar a culpa que sentem por acreditarem ter feito algo errado, com uma posição radical contrária à sua legalização. Creio que devemos ter bom senso  e pensarmos que chegou o tempo de as mulheres deixarem de ser objetos da reprodução e passarem a ser sujeitos da mesma. A legalização do aborto não significa que todas as mulheres serão obrigadas a fazê-lo. As que são contrárias, evidentemente, não o farão. Entretanto, as demais terão ao seu dispor essa possibilidade, caso assim o desejem. A lógica do Estado não está pautada, portanto, em qualquer tipo de ética religiosa. Que isso fique bem claro para todos e todas.