terça-feira, 13 de setembro de 2011

O feminismo perdeu a legitimidade? Segundo a Viviane Mosé sim


A Bienal do Livro foi o evento marcante do mês de setembro no Rio de Janeiro. É muito bom ver pessoas de todas as idades interessadas em manusear e comprar livros. É muito bom ver escritores(as) serem aclamados(as) pelas crianças e adolescentes como verdadeiros popstars. Só não foi bom ouvir os comentários de Viviane Mosé na Rádio CBN a respeito da mesa redonda no “Espaço Mulher e Ponto” no dia 08. Em seus comentários na matéria da rádio CBN (disponível abaixo) ela disse que “a mulher não é mais oprimida”, ela agora “tem que brigar apenas por salários iguais aos do homem e contra a violência doméstica que é um fato”.







Ficamos pesarosos em constatar que pessoas como Viviane Mosé ainda falam em “mulher” no singular, como se todas as mulheres vivessem de forma igual, tendo as mesmas oportunidades e vivenciando a mesma cultura. As pessoas que se interessam verdadeiramente pelos estudos de gênero sabem que não se pode comparar uma mulher negra e pobre da favela com a Viviane Mosé, mulata (ou branca?), de classe média escolarizada e empregada do Sistema Globo. Para a primeira, a mulher continua sendo oprimida, vilipendiada e tratada como objeto. Já no caso da segunda, ela tem independência financeira e caso o marido a espanque pode se afastar dele, contratar um bom advogado e finalmente registrar uma queixa na delegacia mais próxima.
Já faz um bom tempo que não se fala em “mulher” sob pena de se falar sobre nada. As mulheres são perpassadas pela sua condição de classe, cor/etnia (ou “raça”, para os racialistas). Dizer que as mulheres não são mais oprimidas é uma completa alienação, ou seja, a pessoa se coloca como referência para o mundo: como eu não sou oprimida, logo as outras mulheres também não são. Além da opressão do marido que bate e do patrão que paga salários diferenciados para homens e mulheres existe também a opressão simbólica que faz o seu trabalho silenciosamente rebaixando a autoestima e destinando um lugar no mundo especial para as mulheres. Tal opressão leva à que as mulheres se sintam culpadas quando não ficam o tempo inteiro em casa com seus filhos ou quando são estupradas e sob elas pesa uma possível responsabilidade por terem provocado o próprio estupro.
Sobre a violência doméstica, vale ainda observar que ela não é um fenômeno do espaço privado. Ela conta com o beneplácito do Estado, cujos operadores da Lei muitas vezes se negam a prender e punir os espancadores. A mídia está repleta de exemplos de mulheres que dão reiteradas queixas de maridos violentos e ao cabo terminam mortas ou seriamente feridas por eles sem que o Poder Público tenha feito absolutamente nada para evitar o crime. Podemos dizer então que a violência doméstica não é um assunto privado que a mulher tenha que resolver individualmente. Abandonar um marido violento é para quem pode, não é para quem simplesmente quer. Vide o recente caso de uma jovem de 22 anos, da favela do Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes, que foi passada à ferro pelo marido, que a torturou durante várias horas e chegou mesmo a escrever seu nome com faca em brasa em suas costas.
No Brasil, segundo dados da PNAD/IBGE (2009), 767 mulheres são agredidas por dia, 32 por hora ou uma a cada 30 segundos. Segundo o Portal Vermelho:

Além de ser uma questão pública, social, ela é também um problema civilizatório. O grau do avanço de uma sociedade, já disseram alguns pensadores avançados desde o início do século 19, é indicado pela igualdade entre homens e mulheres. E a violência contra a mulher, cujos protagonistas são principalmente homens que julgam ter direitos especiais, e definitivos, sobre elas, é o principal fator de atraso neste ponto. Parceiros que tratam suas companheiras como objetos de consumo, satisfação pessoal, como bens arroláveis entre as demais propriedades que controlam, e usam a força física ou a violência verbal para impor privilégios. Acionam o medo, a intimidação, a humilhação, para manter formas de relacionamento desigual, e submeter o outro (a outra, no caso) a seus caprichos, vontade, idiossincrasias e fantasias. Os dados do PNAD mostram que ainda há muito a fazer na conquista da igualdade e no combate contra a opressão da mulher, e o estudo do IPEA mostra que há disposição para isso. É preciso unir estas duas pontas –necessidade e disposição – para avançar na luta contra esta verdadeira chaga social que é a opressão da mulher. 



Só por isso, o feminismo não perdeu a sua legitimidade. Mulheres continuam sendo oprimidas, embora muitas com alto nível de escolaridade, bons empregos e moradoras dos bairros nobres do Rio de Janeiro por vezes não o sejam; ou talvez o sejam e sequer saibam, pois a opressão não se expressa apenas em surras, mas também em humilhações, violência psicológica, desqualificação, “brincadeiras” discriminatórias, dentre muitas outras formas mais sutis. Convém ressaltar que as mulheres sequer são donas de seus próprios corpos, pois o aborto legal (em caso de estupro e risco de vida para a mãe) lhes é constantemente dificultado e o aborto nos demais casos lhes é negado contrariando o documento assinado por vários países, dentre eles o Brasil, na 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing em 1995, que considerou os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres como direitos humanos. Contrariando também o que já existe em países onde o feminismo teve um percurso exitoso, tais como: França, Inglaterra, EUA, Itália, Portugal, Alemanha, Holanda, dentre outros.
É lamentável que mulheres com alto nível de escolaridade e que ocupam a mídia diariamente, reneguem o feminismo que tanto fez por elas próprias. Se elas votam, trabalham e são cidadãs agradeçam à luta travada por feministas que deixaram seus nomes na História para que nós mulheres desse mundo dito pós-moderno possamos usufruir de uma cidadania que, se não é ainda plena, certamente poderá sê-lo no futuro. Feministas como Olympe de Gouges, Mary Woolstonecraft, Bertha Lutz, Betty Friedam, e tantas outras merecem nosso respeito e nossa gratidão por terem tido coragem de arriscar a honra e até mesmo a vida por reivindicar uma cidadania para as mulheres. A luta feminista começou com a Revolução Francesa. É, portanto, um projeto iluminista que ainda não se esgotou. Portanto, são ridículas as afirmações de que “a mulher não é mais oprimida”. Poderíamos então perguntar jocosamente: qual mulher cara pálida?


Profª Drª Marinete dos Santos Silva
Coordenadora do Atelier de Estudos de Gênero (ATEGEN)
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Um comentário:

  1. Drª Marinete, com todo respeito, você vive os dias atuais ou você pensa estar na década de 50 do século XX? A Jornalista se fez entender muito. A mulher sofre violência doméstica? Fato. Sofre muito. A mulher ganhar menos do que os homens em geral? Ganha menos, verdade. O que há de errado em falar que a mulher já possui o respeito da sociedade e que já não é mais uma mera figurante de toda uma sociedade. Os avanços que as mulheres podem garantir, e vão garantir, estão por vir. A própria sociedade permitirá essa mutação. O que acontece é que existem grupos feministas que não permitem que pessoas mostrem a realidade. A mulher tem o respeito da sociedade, sim. É fato. É claro que em determinadas sociedades, isoladamente, a mulher é subjugada. A violência contra a mulher e contra todos os indivíduos que habitam a terra que estão sujeitos a ela, não irá sumir milagrosamente do dia para a noite. O serviçode proteção a mulher protege a branca e a negra, a rica e a pobre. Essa coisa de realidades distintas para analisar esse contexto é muito pouco eficaz. Uma mulher branca e rica não podem ser violentada física ou psicologicamente por um homem? Lamento que você pense assim. Falar de salário, né? Será que a mulher vai ganhar os mesmos salários que os homens ganham em média até o próximo fim de semana?! Duvido. Mas não é por essa discrepância salarial que os discursos devam permanecer exaltados e que refira a mulher com a parte mais frágil da sociedade. Discuso fraco esse. Conheço muita mulher que dá exemplo aos homens de como se portar profissionalmente e como comandar uma casa. Essa guerra entre gêneros precisa ter fim. É o que penso. Repense suas ideias.

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